Para quem está tomando contato agora com nossos textos introdutórios sobre Áreas Contaminadas, um breve resumo do que já falamos nesse espaço:
No nosso primeiro texto da série introdutória, nós falamos sobre o que significa uma área contaminada, e sobre o desafio que representa a enorme quantidade de substâncias químicas criadas pelo homem que ainda não têm informação sobre eventuais danos à saúde e ao meio ambiente.
No segundo texto, falamos sobre o Responsável Legal, que é o ator que arca com a maior parte dos custos envolvidos e o porquê dele fazer isso.
No terceiro texto, expusemos as obrigações (e as dores de cabeça) que esses Responsáveis Legais têm no gerenciamento de Áreas Contaminadas e sobre a importância deles escolherem bem seu(s) Responsável(is) Técnico(s).
Nesse texto, daremos alguns exemplos de problemas enfrentados por Responsáveis Legais no Gerenciamento de suas Áreas Contaminadas.
O primeiro exemplo é um clássico: o Aterro Mantovani, localizado em Santo Antonio da Posse-SP. Há um vasto material sobre esse caso na Internet, como esse link, esse link e o material da CETESB [1]. O Aterro Mantovani era um aterro particular onde foram depositados os mais diversos materiais, alguns de maneira correta, outros de maneira inadequada, entre 1974 e 1987, quando esse depósito foi impedido pela fiscalização da CETESB. Algumas empresas destinaram conscientemente seus resíduos para o Aterro Mantovani, outras tiveram, de alguma forma, seus resíduos “desviados” para lá. Sem controle sobre o tipo de material, nem sobre a quantidade depositada, foi constatada a contaminação da área, no ano 2000, tanto no solo (obviamente, pois trata-se de um aterro), quanto na água subterrânea. A contaminação da água subterrânea foi o principal impacto, pois o aquífero local ficou contaminado, com concentrações de substâncias químicas acima dos limites permitidos e ocorreu a migração dessas concentrações dissolvidas em água subterrânea para áreas vizinhas, abastecidas por poços de captação desse aquífero contaminado. Ou seja, há concentrações de substâncias químicas conhecidas acima do “limite de segurança” (ver nosso primeiro texto), há um bem a proteger impactado (aquífero) e há receptores expostos a um risco à saúde (moradores do entorno que consomem a água subterrânea), fechando o ciclo que compõe uma área contaminada
O principal Responsável Legal pela contaminação é o Aterro Mantovani e seu proprietário, no entanto, pela quantidade de massa de substâncias químicas e pela envergadura do impacto causado no bem a proteger (aquífero), o dono da área e causador da contaminação, sozinho, não seria capaz de arcar com os custos decorrentes da recuperação da área e do aquífero. Por isso, a CETESB e o Poder Judiciário acionaram, como Responsáveis Legais solidários, todas as empresas que sabidamente destinaram resíduos para o Aterro Mantovani. Mais do que isso, era preciso encontrar as empresas que depositaram resíduos mesmo sem registro e, por esse motivo, foram também responsabilizadas até empresas simplesmente cujo logotipo foi encontrado em tambores enterrados no local.
Como resultado, ainda hoje, em 2018, há mais de 50 Responsáveis Legais pela reabilitação da área, que ainda estão tentando fazer as concentrações no aquífero baixarem para níveis que não causem risco à saúde dos receptores, mostrando que uma decisão equivocada gera consequências econômicas e de imagem por um longo tempo, além do elevado impacto ambiental que é difícil, caro e demorado para ser mitigado.
Mas esse é um caso muito famoso, e há vários outros com menor repercussão midiática, mas com grande impacto para os envolvidos. Vamos trazer alguns aqui, para termos essa noção:
Caso 1: Indústria Metalúrgica no bairro da Vila Carioca, cidade de São Paulo. A primeira investigação, realizada no início dos anos 2000 detectou contaminação decorrente de várias fontes, mas principalmente dos tanques de solventes clorados (tetracloroeteno – PCE) utilizados no processo produtivo. Para resumir a história, depois de mais de 15 anos de investigações e remediações a um custo aproximado de R$ 10 Milhões, a área continua contaminada, sem a fonte, mas com a possibilidade de estar expondo receptores dentro e fora da área da indústria a um risco de intrusão de vapores. Parte desse risco é decorrente de ações erradas de remediação, em decisões tecnicamente equivocadas tomadas por alguns Responsáveis Técnicos. Ou seja, o Responsável Legal contratou especialistas para ajudar a reabilitar ambientalmente a área, mas, 16 anos e 10 Milhões de reais depois, ainda permanece com a contaminação, com problemas perante o órgão ambiental, problemas legais, trabalhistas, de imagem, e sujeito a mais multas (e outras sanções legais).
Caso 2: Posto de Combustível no interior de São Paulo. Para não acharmos que casos complicados só ocorrem em áreas industriais, esse posto em uma cidade pequena do interior de São Paulo começou o seu estudo no ano de 2005, conforme pode ser visto nesse artigo [2]. Após 10 anos de investigações e remediações pouco eficientes, com gastos da ordem de 700 mil reais nos trabalhos e mais multas que totalizam cerca de 250 mil reais, o Posto continua sendo uma área contaminada que sequer delimitou suas plumas em fase dissolvida. Há uma suspeita que as remediações realizadas causaram a migração das substâncias químicas para profundidades maiores, piorando a situação da contaminação. Mais um exemplo de Responsáveis Técnicos que não tomaram as melhores decisões (por vezes isso ocorre por determinação ou pedido do Responsável Legal) e causaram um prejuízo financeiro e de imagem muito grande ao empreendimento.
Caso 3: Sra Fátima (nome fictício), proprietária de uma área com galpões, que alugou para uma indústria com baixo potencial poluente, uma extrusora de plásticos. Quando essa fábrica foi pedir a licença de implantação, foi solicitada a fazer uma Avaliação Preliminar e confirmatória por conta do ocupante anterior do galpão, que faliu, e era uma Galvanoplastia. Essa investigação identificou contaminação de solo e água subterrânea por solventes clorados, o que levou a indústria de plásticos a desistir do local, deixando a contaminação para a proprietária da área resolver. Estudos iniciais apontaram um custo de investigação e remediação da ordem de 1 milhão de reais, cerca de 75% do valor do imóvel. Nesse caso, a Sra Fátima “tomou um calote” da Galvanoplastia, deixou de faturar com o aluguel para a extrusora e ainda tem que arcar com os custos da reabilitação da área.
Caso 4: Sr Hideo (nome fictício), adquiriu um terreno no município de Guarulhos-SP e colocou no nome das duas filhas, para “garantir um futuro para elas”. Em um determinado momento, ele alugou o terreno para um Posto de Combustíveis. Após alguns anos de operação, o dono do posto, após ser obrigado a fazer uma investigação confirmatória, abandonou o local, retirando seus equipamentos e sem pagar aluguel durante mais de 6 meses. Quando o Sr Hideo soube, ele era o responsável por uma área contaminada com custo estimado de remediação em 500-800 mil reais, em um terreno que valia menos do que isso. Não foi possível encontrar o antigo proprietário do posto, que, por ser “bandeira branca”, também não foi possível acionar a distribuidora de combustíveis. O Sr Hideo estava tentando acionar o fabricante dos tanques que supostamente causaram o vazamento, mas a situação é que o futuro das filhas seria uma dívida maior que o valor do terreno
Com esses exemplos, mais uma vez é possível percebermos a importância ambiental e econômica do Gerenciamento de Áreas Contaminadas, os elevados valores envolvidos, a legislação que obriga os responsáveis a tomar as providências necessárias e os impactos ambientais importantes que podem gerar risco à saúde humana ou a outro bem a proteger o que, em última análise, é a razão de ser da existência do Gerenciamento de Áreas Contaminadas.
[1] CETESB – Aterros Industriais Mantovani e CETRIN. 2013. Disponível em:
http://areascontaminadas.cetesb.sp.gov.br/2013/11/22/aterros-industriais-mantovani-e-cetrin/
[2] Riyis et al. Avaliação das falhas no modelo conceitual de uma área contaminada utilizando investigação com métodos convencionais. InterfacEHS – Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade
Vol. 12 no 1 – junho de 2017. Disponível em http://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/InterfacEHS/wp-content/uploads/2017/06/7-200_InterfacEHS_ArtigoRevisado.pdf
No nosso primeiro texto da série introdutória, nós falamos sobre o que significa uma área contaminada, e sobre o desafio que representa a enorme quantidade de substâncias químicas criadas pelo homem que ainda não têm informação sobre eventuais danos à saúde e ao meio ambiente.
No segundo texto, falamos sobre o Responsável Legal, que é o ator que arca com a maior parte dos custos envolvidos e o porquê dele fazer isso.
No terceiro texto, expusemos as obrigações (e as dores de cabeça) que esses Responsáveis Legais têm no gerenciamento de Áreas Contaminadas e sobre a importância deles escolherem bem seu(s) Responsável(is) Técnico(s).
Nesse texto, daremos alguns exemplos de problemas enfrentados por Responsáveis Legais no Gerenciamento de suas Áreas Contaminadas.
O primeiro exemplo é um clássico: o Aterro Mantovani, localizado em Santo Antonio da Posse-SP. Há um vasto material sobre esse caso na Internet, como esse link, esse link e o material da CETESB [1]. O Aterro Mantovani era um aterro particular onde foram depositados os mais diversos materiais, alguns de maneira correta, outros de maneira inadequada, entre 1974 e 1987, quando esse depósito foi impedido pela fiscalização da CETESB. Algumas empresas destinaram conscientemente seus resíduos para o Aterro Mantovani, outras tiveram, de alguma forma, seus resíduos “desviados” para lá. Sem controle sobre o tipo de material, nem sobre a quantidade depositada, foi constatada a contaminação da área, no ano 2000, tanto no solo (obviamente, pois trata-se de um aterro), quanto na água subterrânea. A contaminação da água subterrânea foi o principal impacto, pois o aquífero local ficou contaminado, com concentrações de substâncias químicas acima dos limites permitidos e ocorreu a migração dessas concentrações dissolvidas em água subterrânea para áreas vizinhas, abastecidas por poços de captação desse aquífero contaminado. Ou seja, há concentrações de substâncias químicas conhecidas acima do “limite de segurança” (ver nosso primeiro texto), há um bem a proteger impactado (aquífero) e há receptores expostos a um risco à saúde (moradores do entorno que consomem a água subterrânea), fechando o ciclo que compõe uma área contaminada
O principal Responsável Legal pela contaminação é o Aterro Mantovani e seu proprietário, no entanto, pela quantidade de massa de substâncias químicas e pela envergadura do impacto causado no bem a proteger (aquífero), o dono da área e causador da contaminação, sozinho, não seria capaz de arcar com os custos decorrentes da recuperação da área e do aquífero. Por isso, a CETESB e o Poder Judiciário acionaram, como Responsáveis Legais solidários, todas as empresas que sabidamente destinaram resíduos para o Aterro Mantovani. Mais do que isso, era preciso encontrar as empresas que depositaram resíduos mesmo sem registro e, por esse motivo, foram também responsabilizadas até empresas simplesmente cujo logotipo foi encontrado em tambores enterrados no local.
Como resultado, ainda hoje, em 2018, há mais de 50 Responsáveis Legais pela reabilitação da área, que ainda estão tentando fazer as concentrações no aquífero baixarem para níveis que não causem risco à saúde dos receptores, mostrando que uma decisão equivocada gera consequências econômicas e de imagem por um longo tempo, além do elevado impacto ambiental que é difícil, caro e demorado para ser mitigado.
Mas esse é um caso muito famoso, e há vários outros com menor repercussão midiática, mas com grande impacto para os envolvidos. Vamos trazer alguns aqui, para termos essa noção:
Caso 1: Indústria Metalúrgica no bairro da Vila Carioca, cidade de São Paulo. A primeira investigação, realizada no início dos anos 2000 detectou contaminação decorrente de várias fontes, mas principalmente dos tanques de solventes clorados (tetracloroeteno – PCE) utilizados no processo produtivo. Para resumir a história, depois de mais de 15 anos de investigações e remediações a um custo aproximado de R$ 10 Milhões, a área continua contaminada, sem a fonte, mas com a possibilidade de estar expondo receptores dentro e fora da área da indústria a um risco de intrusão de vapores. Parte desse risco é decorrente de ações erradas de remediação, em decisões tecnicamente equivocadas tomadas por alguns Responsáveis Técnicos. Ou seja, o Responsável Legal contratou especialistas para ajudar a reabilitar ambientalmente a área, mas, 16 anos e 10 Milhões de reais depois, ainda permanece com a contaminação, com problemas perante o órgão ambiental, problemas legais, trabalhistas, de imagem, e sujeito a mais multas (e outras sanções legais).
Caso 2: Posto de Combustível no interior de São Paulo. Para não acharmos que casos complicados só ocorrem em áreas industriais, esse posto em uma cidade pequena do interior de São Paulo começou o seu estudo no ano de 2005, conforme pode ser visto nesse artigo [2]. Após 10 anos de investigações e remediações pouco eficientes, com gastos da ordem de 700 mil reais nos trabalhos e mais multas que totalizam cerca de 250 mil reais, o Posto continua sendo uma área contaminada que sequer delimitou suas plumas em fase dissolvida. Há uma suspeita que as remediações realizadas causaram a migração das substâncias químicas para profundidades maiores, piorando a situação da contaminação. Mais um exemplo de Responsáveis Técnicos que não tomaram as melhores decisões (por vezes isso ocorre por determinação ou pedido do Responsável Legal) e causaram um prejuízo financeiro e de imagem muito grande ao empreendimento.
Caso 3: Sra Fátima (nome fictício), proprietária de uma área com galpões, que alugou para uma indústria com baixo potencial poluente, uma extrusora de plásticos. Quando essa fábrica foi pedir a licença de implantação, foi solicitada a fazer uma Avaliação Preliminar e confirmatória por conta do ocupante anterior do galpão, que faliu, e era uma Galvanoplastia. Essa investigação identificou contaminação de solo e água subterrânea por solventes clorados, o que levou a indústria de plásticos a desistir do local, deixando a contaminação para a proprietária da área resolver. Estudos iniciais apontaram um custo de investigação e remediação da ordem de 1 milhão de reais, cerca de 75% do valor do imóvel. Nesse caso, a Sra Fátima “tomou um calote” da Galvanoplastia, deixou de faturar com o aluguel para a extrusora e ainda tem que arcar com os custos da reabilitação da área.
Caso 4: Sr Hideo (nome fictício), adquiriu um terreno no município de Guarulhos-SP e colocou no nome das duas filhas, para “garantir um futuro para elas”. Em um determinado momento, ele alugou o terreno para um Posto de Combustíveis. Após alguns anos de operação, o dono do posto, após ser obrigado a fazer uma investigação confirmatória, abandonou o local, retirando seus equipamentos e sem pagar aluguel durante mais de 6 meses. Quando o Sr Hideo soube, ele era o responsável por uma área contaminada com custo estimado de remediação em 500-800 mil reais, em um terreno que valia menos do que isso. Não foi possível encontrar o antigo proprietário do posto, que, por ser “bandeira branca”, também não foi possível acionar a distribuidora de combustíveis. O Sr Hideo estava tentando acionar o fabricante dos tanques que supostamente causaram o vazamento, mas a situação é que o futuro das filhas seria uma dívida maior que o valor do terreno
Com esses exemplos, mais uma vez é possível percebermos a importância ambiental e econômica do Gerenciamento de Áreas Contaminadas, os elevados valores envolvidos, a legislação que obriga os responsáveis a tomar as providências necessárias e os impactos ambientais importantes que podem gerar risco à saúde humana ou a outro bem a proteger o que, em última análise, é a razão de ser da existência do Gerenciamento de Áreas Contaminadas.
[1] CETESB – Aterros Industriais Mantovani e CETRIN. 2013. Disponível em:
http://areascontaminadas.cetesb.sp.gov.br/2013/11/22/aterros-industriais-mantovani-e-cetrin/
[2] Riyis et al. Avaliação das falhas no modelo conceitual de uma área contaminada utilizando investigação com métodos convencionais. InterfacEHS – Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade
Vol. 12 no 1 – junho de 2017. Disponível em http://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/InterfacEHS/wp-content/uploads/2017/06/7-200_InterfacEHS_ArtigoRevisado.pdf
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