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Bombeamento e Tratamento Ainda Funciona como Técnica de Remediação?

Por recomendação do meu amigo Martim Afonso de Souza,  e com o objetivo de promover um debate com nosso alunos do Curso de Pós-Graduação em Gerenciamento de Áreas Contaminadas do SENAC, reli recentemente o artigo: "Resurgence of Pump and Treat Solutions: Directed Groundwater Recirculation", escrito em 2015 por  Suthan Suthersan, Eric Killenbeck, Scott Potter, Craig Divine, and Mike LeFrancois (para ler o original, acesse esse link).
A essência do artigo pode ser descrita como o "renascimento" do bombeamento e tratamento (P&T - da sigla em inglês pump and treat) como técnica de remediação para remoção de massa, após décadas sendo deixado de lado nos projetos de remediação.
Nos EUA, esse movimento de abandono do P&T começou no final dos anos 80, no Brasil, começou no início dos anos 2000, alegando (com boa dose de razão), que o P&T não era eficiente para remoção de massa, apenas para contenção do avanço da pluma de fase dissolvida.
O P&T foi substituído por outras técnicas de remediação, que se tornaram, por um tempo, "coqueluche": inicialmente MPE/DPE, depois Oxidação Química In Situ (ISCO), depois Biorremediação Acelerada, por fim, mais recentemente, pelos processos térmicos (o famoso Termal, considerado atualmente a "Pedra Filosofal" da remediação).

O artigo trata desse renascimento do P&T como uma "repaginada". O artigo fala dos benefícios do Bombeamento e tratamento adicionado a uma solução simples: a reinjeção da água tratada no aquífero, o que maximiza os efeitos do P&T, ao induzir um fluxo de maior intensidade na zona de captura. A esse conceito (Fig. 1), os autores dão o nome de  Direct Groundwater Recirculation (DGR).



Fig.1. Diagrama Básico do DGR (Suthersan et al, 2015)

Esse conceito do DGR foi também a essência da mudança ocorrida na 2a Edição do famoso livro do Suthan Suthersan, o "Remediation Engineering", publicada em 2017.
Os autores do artigo mostram muitas vantagens da utilização da circulação a partir do bombeamento, incluindo alguns casos de sucesso de décadas de operação de sistemas de remediação que aumentaram sensivelmente a sua eficiência e eficácia apenas com um ajuste no design do sistema de P&T, incluindo a reinjeção de água tratada no aquífero.
O livro vai além e fala da possibilidade importante de uso combinado do DGR com ISCO, onde a reinjeção no aquífero ocorre junto com um oxidante ou com algum produto doador de elétrons, ou acelerador de biorremediação (como melaço, EVO, lactato ou outro produto semelhante).

Após descrever os pontos principais do artigo e ressaltar a sua inovação pela simplicidade (utilizar forma diferente uma técnica de remediação considerada ultrapassada, tornando-a muito eficiente), vou agora falar das questões mais importantes que o artigo traz nas entrelinhas.
Basicamente o artigo segue a linha mestra do livro Remediation Hydraulics, de Payne, Quinnan e Potter (2008), onde, embora seja um livro de remediação, diz que o fator limitante dessa é o meio físico e sua heterogeneidade, anisotropia e complexidade.
Especificamente nesse artigo, os autores recomendam que, inicialmente, sejam identificadas as unidades hidroestratigráficas que são zonas preferenciais de fluxo e nelas sejam instalados os poços de bombeamento. Isso parece óbvio, porém, vai contra a quase totalidade dos poços de bombeamento instalados no Brasil, que têm seção filtrante muito longa (é comum passarem de 10 metros de comprimento), portanto, conectando diversas unidades hidroestratigráficas, de fluxo ou de armazenamento. Após uma leitura atenta do artigo, o leitor irá chegar à conclusão que esse modelo de poços de bombeamento não pode ser utilizado para um adequado DGR.
Além disso, os autores são claros ao recomendar um minucioso estudo das heterogeneidades hidrogeológicas em escala de detalhe, sugerindo testes de traçador pontuais (de acordo com Payne et al (2008), "the truth test is tracer test", ou seja, o único que fornece as informações específicas necessárias sobre fluxo subterrâneo é o teste de traçador...mas dimensioná-lo é uma outra história...). Essas informações específicas em escala adequada devem alimentar um modelo numérico quantitativo para que o design do DGR tenha sucesso.
Por fim, recomenda que, durante a investigação e mesmo durante a instalação dos poços (de bombeamento e de extração), sejam feitos novos ensaios locais e pontuais de condutividade hidráulica, para minimizar a chance de erros de execução.

Concluindo, um artigo clássico de remediação, escrito por aquele que provavelmente é o nome mais importante no mundo sobre esse assunto, que traz uma importante inovação para o processo mais caro e complexo do Gerenciamento de Áreas Contaminadas, mais uma vez recomenda sugere e mostra que o gargalo da Remediação está na boa investigação que deve ser feita.

Ou seja, como já dissemos em outras oportunidades, "A Melhor Técnica de Remediação é a Investigação".

Marcos Tanaka Riyis
nov/2018




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