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Bolas da Vez: Intrusão de Vapor e PFAS

Para quem trabalha com gerenciamento de áreas contaminadas (GAC), não é nenhuma novidade que as "bolas da vez" do mercado atendem pelos nomes de Intrusão de Vapores e PFAS.
Ambos os assuntos terão explicações mais detalhadas em artigos futuros, mas por ora, vamos a um breve resumo do tema Intrusão de Vapores:


a. Intrusão de Vapores
Toda a área contaminada por Substâncias Químicas de Interesse (SQIs) voláteis devem ser investigadas para a via de exposição intrusão de vapores, provenientes do solo ou da água subterrânea. Isso se dá por conta da característica da SQI volátil, de "se mover" do local onde está a grande massa de contaminação e atingir o possível bem a proteger, que está na superfície. No caso particular do bem a proteger ser a saúde humana e a superfície for um ambiente fechado, esse é um risco muito preocupante.
O risco pode ser iminente, se a SQI for, por exemplo, metano, e houver espaços confinados. Grandes problemas podem ocorrer nessa situação como o caso do Condomínio Barão de Mauá . Ou o risco pode ser crônico, para SQIs carcinogênicas (benzeno, cloreto de vinila, entre outros) ou não carcinogênicas, mas que causem dano à saúde humana (tricloroeteno - TCE, entre outros).

Trazendo essa teoria básica para as situações do cotidiano do mercado de GAC, normalmente o Responsável Legal é demandado a investigar a sua área. O Responsável Técnico (Consultoria) coleta os dados e conclui, por exemplo, que a água subterrânea possui concentrações de alguma SQI volátil acima dos padrões ambientais. Isso por si só já é um risco à saúde humana, pois estar acima dos padrões ambientais significa que aquela água subterrânea não pode ser consumida. Mas a Consultoria, então, alega que ninguém consome (bebe) aquela água, por estar em área urbana, com fornecimento público de água, etc, portanto, não há risco e sugere deixar a massa de contaminação lá mesmo, sendo "monitorada" (o Consultor conclui que a massa está somente na água subterrânea, ignorando a massa no solo, ma isso será motivo de outro texto futuro).
Com essa premissa, a Consultoria faz então, uma Avaliação de Risco à Saúde Humana (ARSH), com modelos de exposição já estabelecidos para aquela SQI, que, por ser volátil, pode resultar em um risco potencial daquela contaminação na água subterrânea se volatilizar, migrar para algum ambiente fechado, ser inalado e causar dano à saúde humana ou risco maior que 10E-5 do receptor desenvolver câncer. A ARSH, portanto, indicaria a existência de um risco para um receptor para o cenário de inalação de vapores em ambiente fechado a partir da água subterrânea. Nesse ponto, se houver realmente esse receptor (por exemplo, o trabalhador de uma indústria, ou o futuro morador do prédio a ser construído), o Responsável Legal deveria remediar a área.

No entanto, a Consultoria pode alegar que esse é um risco potencial, que os modelos da ARSH são muito conservadores, que o meio é heterogêneo, etc e opta por uma investigação direta. Nesse caso, ela propõe alguns pontos de amostragem no contrapiso da edificação (o famoso subslab).
Utilizando metodologias consagradas de amostragem do vapor no contrapiso (TO-15, por exemplo), a Consultoria vai dizer, com base naqueles dados do vapor no contrapiso, se há intrusão de vapor no ambiente fechado.
Você, leitor, pode se perguntar: mas o vapor não está no contrapiso? Como a Consultoria sabe se há risco para inalação de vapores no ambiente fechado? Como dizemos no interior, é aí que a porca torce o rabo. Há muitas formas de se estabelecer a relação entre concentração no contrapiso e concentração no ar ambiente e qual delas usar?

Sem entrar em muitos detalhes, a Consultoria pode fazer: amostragem de ar ambiente, aplicar o fator alfa da EPA, utilizar um Flux Chamber, estabelecer o fator alfa específico, realizar um monitoramento contínuo em tempo real do ar ambiente, entre outras estratégias.
No momento, a mais utilizada, por ser a que a CETESB está mais propensa a aceitar, é a utilização do fator alfa de 0,03. Ou seja, a Consultoria então pega a concentração no subslab, multiplica por 0,03 e tem uma concentração hipotética no ar ambiente. Essa concentração hipotética é comparada com os padrões determinados pela EPA (uma ressalva aqui: as SQIs carcinogênicas, nos EUA, têm limite 10 vezes menor, devido ao risco aceitável de 10E-6 ao invés de 10E-5, então, nesses casos, é preciso multiplicar a concentração aceitável por 10).
Complicado, certo? Mas não para por aí. Essa é uma concentração hipotética utilizando um fator alfa calculado com base em dados dos EUA, usando muitos tipos de piso, etc, mas nas condições deles. A Consultoria pode alegar, em defesa do seu cliente, que o fator alfa de 0,03 é muito restritivo, e partir para a amostragem do ar ambiente para comprovar que aquela concentração no contrapiso não entra no ambiente fechado. Essa concentração do ar ambiente deve ser comparada diretamente com o valor da EPA.

Se ainda assim apresentar concentração superior ao limite (portanto, com risco à saúde humana por inalação de vapores em ambientes fechados), a consultoria ainda pode alegar que é devido à interferência de alguma coisa na superfície (produção da fábrica, por exemplo) e não da contaminação, e assim, se isentar de uma medida de remediação.

Portanto, vejam o caminho: a Consultoria encontra concentração na água subterrânea e essa concentração na água é superior a um limite. Ao invés de remediar, alega que a água não será consumida e faz uma ARSH para ver se há risco em um cenário de inalação de vapores em ambientes fechados. Se a ARSH aponta risco, ao invés de remediar, a Consultoria propõe uma investigação da intrusão de vapores com amostras no contrapiso e calcula a intrusão com base no fator alfa. Se a concentração é maior que o limite estabelecido pela EPA, ao invés de remediar, a Consultoria propõe outro método que diga que não há vapor intrudindo no ambiente fechado. Se esse método aponta vapor no ambiente, ao invés de remediar, a Consultoria alega que há interferência... e assim por diante. Portanto, as remediações só ocorrem depois de muito tempo e em uma situação realmente extrema de contaminação, e só pensando no cenário de risco, não na massa que está em subsuperfície.
Lembro ainda que a Consultoria considerou nesse caso (e é uma regra), que a massa de contaminante estava na água subterrânea, e que não havia fonte secundária no solo, o que, como sabemos, é impossível...o mais provável, portanto é a massa de contaminação permanecer no ambiente por muito tempo, e o mais interessante é que isso pode ser "cientificamente defensável" e aceito por todos os envolvidos. Raramente alguém pensa no meio ambiente nesse tipo de caso, infelizmente.

Em resumo, uma das bolas da vez no mercado de GAC é o estudo de intrusão de vapores porque é realmente muito complexo, e porque os Responsáveis Legais, ao realizarem esses estudos, estarão evitando ou postergando uma eventual remediação, o que é vantajoso para eles. Desta forma, os negócios nesse segmento do mercado de GAC tendem a crescer, pois, diferente do resto das ações, estudo de intrusão de vapores é investimento, não custo.

Obrigado pela leitura.
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Marcos Tanaka Riyis
março/2020

Abaixo algumas referências fundamentais para o tema

https://www.itrcweb.org/Team/Public?teamID=22
https://www.epa.gov/vaporintrusion
https://www.epa.gov/vaporintrusion/vapor-intrusion-screening-level-calculator
https://www.epa.gov/vaporintrusion/technical-guide-assessing-and-mitigating-vapor-intrusion-pathway-subsurface-vapor
https://www3.epa.gov/ceampubl/learn2model/part-two/onsite/JnE_lite.html



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